quarta-feira, 16 de março de 2011

Regresso

Quando eu voltar,
que se alongue sobre o mar,
o meu canto ao Creador!
Porque me deu, vida e amor,
para voltar...

Voltar...
Ver de novo baloiçar
a fronde magestosa das palmeiras
que as derradeiras horas do dia,
circundam de magia...
Regressar...
Poder de novo respirar,
(oh!...minha terra!...)
aquele odor escaldante
que o humus vivificante
do teu solo encerra!
Embriagar
uma vez mais o olhar,
numa alegria selvagem,
com o tom da tua paisagem,
que o sol,
a dardejar calor,
transforma num inferno de cor...

Não mais o pregão das varinas,
nem o ar monotono, igual,
do casario plano...
Hei-de ver outra vez as casuarinas
a debruar o oceano...
Não mais o agitar fremente
de uma cidade em convulsão...
não mais esta visão,
nem o crepitar mordente
destes ruidos...
os meus sentidos
anseiam pela paz das noites tropicais
em que o ar parece mudo,
e o silêncio envolve tudo
Sede...Tenho sede dos crepusculos africanos,
todos os dias iguais, e sempre belos,
de tons quasi irreais...
Saudade...Tenho saudade
do horizonte sem barreiras...,
das calemas traiçõeiras,
das cheias alucinadas...
Saudade das batucadas
que eu nunca via
mas pressentia
em cada hora,
soando pelos longes, noites fora!...

Sim! Eu hei-de voltar,
tenho de voltar,
não há nada que mo impeça.
Com que prazer
hei-de esquecer
toda esta luta insana...
que em frente está a terra angolana,
a prometer o mundo
a quem regressa...

Ah! quando eu voltar...
Hão-de as acacias rubras,
a sangrar
numa verbena sem fim,
florir só para mim!...
E o sol esplendoroso e quente,
o sol ardente,
há-de gritar na apoteose do poente,
o meu prazer sem lei...
A minha alegria enorme de poder
enfim dizer:
Voltei!...

Alda Lara

domingo, 14 de fevereiro de 2010

E agora José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?

Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,

a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia

e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;

quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.

José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse....

Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!

José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 17 de janeiro de 2010

A balada da dança da Capulana


Debaixo do sol dos trópicos, o caminho das estrelas enfrenta a sua jornada de união
A valsa ritmada dos corpos celestes, encontram eco nos cantares das cantadeiras da viagem

Os versos ecoados em sons forte e quentes clamam a abalada, clamam a dor, clamam o amor

A noiva cheira a partida, a família chora a despedida a família agradece a neófita nos antigos mesteres da família.

Alfaias de trabalho são entregues, sonhos a caminho, esperança no futuro e nas mãos que a recebe

Regressamos ao inicio, pedimos vida, pedimos amor , pedimos harmonia
Voltamos á festa da noiva, o silencio murmura nas paredes da casa da filha perdida.
De volta encontramos os sons da comemoração.

Surgem eles, volta a alegria, agradecem-se aos deuses, o pai abraça a filha perdida, o noivo dança com as deusas do contentamento.

Cumpriu-se o ritual, ritmou-se a partida, espera-se pelo raiar do dia onde o sol ilumina o caminho da união que será certamente a chama da vida.

Tiago Soares (maputo Dezembro 2009)

domingo, 13 de dezembro de 2009

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Fernando Pessoa

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O Amor è uma companhia

O amor é uma companhia

Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro