Eu queria escrever-te uma carta amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
Eu queria escrever-te uma carta amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...
Eu queria escrever-te uma carta amor,
que recordasse nossos tempos a capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura da nossa paixão
e a amargura da nossa separação
Eu queria escrever-te uma carta amor,
que a não lesses sem suspirar que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento
Eu queria escrever-te uma carta amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajús e cafeeiros que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor
Eu queria escrever-te uma carta...
Mas ah meu amor, eu não sei compreender por que é,
por que é, por que é,
meu bem que tu não sabes ler e eu -
Oh! Desespero! -
não sei escrever também
António Jacinto
Poemas, 1961, Luanda
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
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