Terceiro Canto de Amor a Stalingrado
Pablo Neruda
Stalingrado
com as asas tórridas
do verão, os brancos
casarões elevando-se:
uma cidade comum.
As pessoas apressadas
vão ao trabalho.
Um cão cruza
o dia empoeirado.
Uma menina corre
com um papel na mão.
Não passa nada,
além do Volga
de águas escuras.
Uma a uma as casas
se levantaram
a partir do peito do homem,
e voltaram os selos do correio,
os ônibus,
as árvores,
voltaram as crianças,
as escolas, voltou o amor.
as mães
dão a luz,
voltaram as certezas
e as ramas,
o vento,
o céu, e então?
Sim. É a mesma,
não cabe dúvida.
Aqui esteve a linha,
a casa,
a esquina,
o metro e o centímetro
onde a nossa vida e a razão
de todas as nossas vidas
foi conquistada
com sangue.
Aqui se cortou o nó
que apertou a garganta
da história.
Foi aqui. Sim parece mentira
que podemos
pisar na rua e ver
a menina e o cachorro,
escrever uma carta,
mandar um telegrama,
porém talvez,
para isso,
para este dia igual
a cada dia,
para este sol simples
na paz dos homens
foi a vitória
aqui, nesta cinza
da terra sagrada.
Pão de hoje, livro de hoje,
pinheiro fresco
plantado esta manhã,
luminosa avenida
recém chegada do papel
onde o engenheiro
a traçou sob o vento da guerra,
criança que passa, cachorro
que atravessa o dia empoeirado,
oh milagres,
milagres de sangue,
milagres do aço e do Partido,
milagres do nosso novo mundo.
Rama de acácias com espinhos e flores
onde, onde
terás maior perfume
que neste lugar onde todo perfume foi derramado
em que tudo caiu
menos o homem
o homem destes dias,
o soldado soviético?
Oh, rama perfumada,
exala
aqui
mais que uma concentrada primavera!
Aqui exalas o homem e a esperança,
aqui, rama de acácia,
não pode queimar-te o fogo
nem sepultar-te o vento da morte.
Aqui ressuscitaste a cada dia
sem haver morrido nunca,
e hoje no teu aroma o infinito humano
de ontem e de amanhã
de depois de amanhã
nos volta a dar sua eternidade florida.
És como a usina de tratores:
hoje florescem de novo
grandes flores metálicas
que entraram na terra
para que a semente
seja multiplicada.
Também a usina foi cinza,
ferro retorcido, espuma
sangrenta da guerra,
porém seu coração não se deteve
foi aprendendo a morrer e a renascer.
Stalingrado ensinou ao mundo
a suprema lição de vida:
nascer, nascer, nascer,
e nascia
morrendo,
disparava
nascendo,
ia de bruços e se levantava
com um raio na mão.
Toda noite sangrava
e já na aurora
podia emprestar sangue
a todas as cidades da terra.
Empalidecia com a neve negra
e toda a morte caindo
e quando olhávamos
para vê-la cair,
quando chorávamos
seu final de fortaleza,
ela nos sorria,
Stalingrado
nos sorria.
E agora
a morte se foi:
apenas algumas paredes;
algum ferro retorcido
bombardeado e torto,
apenas algum rastro
como uma cicatriz de orgulho,
tudo é claridade, lua e espaço,
determinação e brancura
e no alto
uma rama de acácia,
folhas, flores, espinhos defensores,
a extensa primavera
de Stalingrado,
o invencível aroma
de Stalingrado!
sábado, 8 de agosto de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário